ENTREVISTA
Pouco antes de completar cinco meses de trabalho à frente do Coritiba, o COXAnautas realizou uma entrevista com João Paulo Medina. Avesso a aparições públicas, o dirigente gosta de realizar seu trabalho com a maior discrição possível, mas nem por isso deixa de acompanhar assiduamente o trabalho realizado em campo, algo que fica bem claro logo em sua mesa de trabalho no Couto Pereira, onde se encontram os relatórios da Dallas Cup e da Copa Gradisca, que está prestes a começar na Itália.
Nesta semana, você confere a primeira parte da entrevista, em que o torcedor Alviverde conhecerá um Medina que fala sobre sua vida, suas experiências, desmistifica o rótulo de "teórico do futebol" e fala sobre a crise técnica do futebol brasileiro. Na semana que vem, o Coritiba estará em pauta e serão abordados diversos assuntos. Confira:
Quem é João Paulo Medina
Nasci em Cerqueira César, no interior de São Paulo e, como meu pai era bancário, esta vida de não possuir residência fixa, comum no futebol, começou muito cedo para mim. Por isso, morei em várias cidades no interior de São Paulo. Mas por mais que minha vida fosse marcada por mudanças, jamais deixei de lado minha paixão: jogar futebol na rua. Eu era uma meia esquerda habilidoso. Franzino, mas habilidoso (risos).
Entretanto, chegou o dia em que tive que optar por continuar a carreira de jogador ou fazer uma faculdade, e decidi pelo segundo caminho. Minha vontade era fazer Medicina, mas, como vivia em uma família de classe média, com todas as dificuldades que conhecemos, decidi fazer Educação Física como forma de ponte para chegar em Medicina. Acontece que peguei gosto pela coisa e segui minha carreira nesta profissão. Fiz mestrado em Filosofia da Educação e escrevi livros sempre com uma visão crítica sobre a mente como um dos elementos da Educação Física corporal.
Para este ano, eu estava matriculado no Doutorado, onde meu tema de análise seria o Bom Senso F.C. Mas aí o Coritiba apareceu e tranquei minha matrícula.
Experiência no futebol
Como falei, joguei futebol na infância e tive um treinador que gostava muito do meu futebol, o João Avelino. Mas preferi seguir a carreira de profissional da Educação Física. Entretanto, o meu pai (que também ia ver meus jogos) encontrou, casualmente, o João Avelino em Campinas. O treinador perguntou por mim, mas meu pai disse que eu tinha optado pela preparação física. Como em uma dessas coincidências do destino, o João Avelino, que treinava a Portuguesa, precisava de um profissional da área. Fui para a entrevista na Lusa e, apesar de não ter nenhuma experiência na área, o Avelino me bancou e passei simplesmente a dar treinos para jogadores do porte de Marinho Peres, Lorico, Enéas, destaques à época. Fiz um contrato por três meses e acabei ficando por dois anos na Portuguesa.
Neste tempo, o Rubens Minelli assumiu a Portuguesa e, quando saiu, me levou para a Ponte Preta. Depois disso fui para o Corinthians onde, na companhia do Dr. Osmar de Oliveira, criamos o primeiro departamento de futebol integrado do Brasil. Coordenei as categorias de base do Guarani (que tinha Careca como um dos principais jogadores) e finalmente cheguei ao São Paulo. Ganhamos o primeiro título nacional da história do clube e, com muito respaldo da diretoria reestruturamos o departamento de futebol. Ou seja, eu fazia uma dupla função lá.
O sucesso no São Paulo foi tão grande que era óbvia a efetivação de Rubens Minelli para o comando da Seleção Brasileira. Mas a CBF preferiu Cláudio Coutinho. Por isso, o Minelli aceitou um convite para treinar a seleção da Arábia Saudita e fui para lá no início da década de 80. Aliás, nestes anos eu vivia com um pé na Arábia e outro no Brasil, até que o Falcão me chamou para trabalhar na reestruturação da seleção brasileira, que havia perdido a Copa de 90. Nesta época meu cargo já era mais gerencial. Com o vice da Copa América, fomos todos demitidos, voltei para a Arábia e classificamos a seleção para a primeira Copa de Mundo de sua história.
Depois disso, trabalhei no Palmeiras, Goiás, Internacional, prestei consultorias para Flamengo e Bahia, voltei à Arábia Saudita para a Copa do Mundo de 2006 (onde era responsável pelo planejamento geral e técnico, trabalhando como auxiliar de campo do treinador Marcos Paquetá), passei por mais alguns clubes como consultor e finalmente cheguei ao Coritiba.
Teórico da bola
Acho muito engraçada essa denominação, porque vivi no campo e, antes do campo, entendi a pedagogia da rua, nas peladas. É normal as pessoas rotularem outras, mas "teórico da bola" eu realmente não consigo entender. Deve ser por causa da Universidade do Futebol que criei e do conceito que a maioria das pessoas tem que universidade é sinônimo de teoria (risos). Passei mais de 30 anos no campo. Não fico em minha sala elaborando teorias, muito pelo contrário, acompanho treinamentos, preleções, vejo jogos, procuro saber de tudo o que acontece em relação ao meu trabalho. Apenas não dou entrevistas diariamente para a imprensa porque esta não é minha função.
Momento do futebol brasileiro
O pragmatismo e o improviso sempre foram suficientes para o sucesso do futebol brasileiro, mas agora não é mais. Os europeus aprenderam a produzir in vitro o que nós, brasileiros, produzimos in natura. O problema é que, a cada dia que passa, vamos perdendo as características. O número de meninos jogando bola na rua caiu, o interesse, diminuiu. Deixou-se de lado a pedagogia da rua (fonte de habilidade e criatividade do futebol brasileiro), o que atrofiou a vantagem que o brasileiro tinha.
Vivemos em uma fase científica e pedagógica do futebol. Em ambos os casos, não temos profissionais qualificados a ponto de competir com os europeus. O improviso já começa nas escolinhas, que possuem ex-jogadores de futebol ou profissionais que não detêm o conhecimento científico para dar aulas.
Por fim, a CBF deveria ser a responsável pelo fomento e desenvolvimento do futebol brasileiro, mas a entidade nem sabe quantas escolinhas regulamentadas existem no país. Não se investe na preparação de treinadores, não se investe em estudos no futebol. A soma disso tudo explica os 7x1 da Alemanha.
Trabalho mais marcante
Tive alguns trabalhos bem marcantes, como no Corinthians, em que eu e o Dr. Osmar de Oliveira criamos o primeiro Departamento de Futebol Integrado, e no Guarani, onde trabalhei diretamente nas categorias de base do clube.
Mas os trabalhos em que tive mais apoio da diretoria foram no São Paulo, no final da década de 70, e na segunda passagem pelo Internacional, após a eleição do presidente Fernando Miranda em 2000 e 2001. No Inter, investiu-se na base e foram revelados Daniel Carvalho, Nilmar, Alexandre Pato, Fábio Rochemback, entre outros.
Também teve as inúmeras passagens pela Arábia Saudita e um trabalho com o Pelé, no Paulista de Jundiaí e Lausanne da Suíça (Projeto Campus Pelé) que, apesar de não trazer o retorno desejado, teve uma concepção de formação de atletas de vanguarda (o zagueiro Rever, o goleiro Vitor, o meia Marcinho, entre outros, faziam parte do projeto).
Universidade do Futebol
A proposta desse projeto era discutir o futebol, trocar ideias, experiências. Começou com uma estrutura 100% virtual, chamada inicialmente como "Cidade do Futebol". Lá, o internauta poderia acessar espaços como o estádio, espaço ecumênico, centro de treinamentos, laboratório científico, entre outros, e encontrar informações gratuitas. Entretanto, a manutenção disso saía do meu bolso e estava ficando insustentável. Em 2011, virou Universidade do Futebol e, com cursos pagos e parcerias, o projeto se tornou auto-sustentável.
A Universidade tem cinco grandes áreas: administrativa, técnica, saúde, ciências humanas e sociais e uma área interdisciplinar, que abrange tudo isso.
Recentemente, iniciamos uma parceria com o UNICEF para promover o futebol como ferramenta de educação e trazer conhecimentos básicos às crianças. Trata-se de um projeto sócio-esportivo maravilhoso.
Relacionamento com a Imprensa
Não falar muito com a imprensa é uma questão de escolha. Não vejo sentido para dar entrevistas dia após dia. Falar sobre a estrutura, sobre o planejamento não é adequado, eles falam por si só. O meu papel é implantar um projeto de sustentação do Coritiba. É para isso que fui contratado e pretendo cumprir os objetivos, deixando um legado ao clube.
Fique atento, torcedor Alviverde, na próxima semana, será publicada a segunda parte da entrevista com João Paulo Medina e você conhecerá o trabalho dele como CEO do Coritiba. Não perca!
Imagem: Coxanautas
Para que a minha glória a ti cante louvores, e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te louvarei para sempre. (Salmos 30:12)